Depressão: Será um erro de raciocínio?
Terapias Psicológicas 22/09/2016

Depressão: Será um erro de raciocínio?

Miguel Lucas Publicado por Miguel Lucas

Uma das mais divulgadas estratégias para lidar com a depressão é o uso da classe de medicamentos conhecidos como SSRIs. Para muitas pessoas, Prozac, Paxil, Zoloft, e fármacos do género têm sido incrivelmente prescritas (não necessariamente eficazes) para lidar com a depressão. Diante disso, eu enquanto psicólogo o que posso ter para dizer sobre a depressão? Digo taxativamente que existem outros recursos e abordagens que podem ser extremamente úteis para lidar e promover a superação da depressão, mesmo que seja em conjunto com o tratamento farmacológico.

Em artigos anteriores, levantei a questão se a depressão pode ser considerada uma doença de cariz meramente biológico, abordei também a questão da eficácia ou não dos antidepressivos, e dei a conhecer os benefícios do exercício físico no tratamento da depressão, tal como pode consultar nos seguintes artigos:

ERROS DE RACIOCÍNIO, A BASE DE CONSTRUÇÃO DA TERAPIA PARA A DEPRESSÃO

De acordo com alguns dos pressupostos apresentados nos artigos acima, aponto para a utilidade de um conjunto de estratégias eficazes para o tratamento da depressão, e igualmente um enquadramento da implicação dos vários erros de raciocínio como gatilhos que contribuem para a depressão. E, que a partir da identificação dos erros de raciocínio e consequente reestruturação do pensamento e crenças, a pessoa afetada pela depressão pode aprender a perceber os motivos da sua paralisia da vontade, falta de energia e ausência de prazer na grande maioria das coisas na sua vida.

É na verdade, a construção do processo atrás descrito que pode constituir grande parte do programa de tratamento para a depressão, através da abordagem psicológica, fundamentada na terapia cognitiva-comportamental.

Não pretendo passar a mensagem que os erros de raciocínio ou as distorções cognitivas são a causa da depressão, ou que a pessoa deprimida deve ser censurada pela forma como pensa, mas sim que o tipo de pensamento que é característico de alguém que sofre de depressão, às vezes deve-se a um erro de raciocínio. Tal pensamento pode perpetuar a depressão.

Na terapia cognitiva-comportamental, a pessoa pode vir a reconhecer esses padrões de pensamento ilógico. Então, através de uma variedade de meios, a pessoa que sofre de depressão pode começar a mudar esses padrões de pensamento desajustado e desadequado. Todos nós podemos cair nesses padrões de pensamento às vezes, mas a pessoa deprimida, passa grande parte do tempo nesse padrão mental e generaliza para quase todas as áreas da sua vida.

Dica técnica: O pensamento da pessoa deprimida emerge do erro de raciocínio. Eu acredito fortemente que uma pessoa para se recuperar totalmente da depressão, terá de enfrentar os processos de pensamento negativo, desajustado e ilógico que foi forjando e interligando à medida que o seu problema foi crescendo. Compreender as falácias (falsas verdades) presentes no pensamento deprimido pode ser útil para a pessoa lidar com a depressão, e igualmente para aqueles que estão a cuidar de uma pessoa que sofre de depressão. E isto é tremendamente esperançador!

depressão

QUE TIPO DE PADRÕES DE PENSAMENTO ILÓGICO ESTÃO PRESENTES NO PENSAMENTO DA PESSOA QUE SOFRE DE DEPRESSÃO?

No artigo: Distorções do pensamento, saiba porque causam problemas e como as mudar, apresento resumidamente e de forma generalista alguns dos erros de raciocínio característicos de pessoas que sofrem de problemas psicológicos.

A seguir, apresento de forma mais detalhada os padrões de pensamento negativo (erros de raciocínio) que empurram a pessoa para a exacerbação da sua depressão e consequente barreira a uma efetiva recuperação:

Pensamento polarizado ou de tudo ou nada: Aqui, tendemos a olhar o mundo por uma perspetiva a preto e branco, não existindo meio termo. Por exemplo, alguém pode acreditar em algo do género: “Ou eu sou um sucesso total, ou eu sou um fracasso total.” A pessoa de sucesso pode não conseguir ser promovida, e então acho que por isso ela é um completo fracasso.

No entanto, esse tipo de pensamento comete uma falácia lógica, a falácia do falso dilema. Ao cometer esta falácia, uma pessoa está assumindo que só existem duas opções, quando na verdade existem múltiplas possibilidades. Assim, no exemplo da promoção, ao invés de se ver a si mesmo como um fracasso, a pessoa poderia ver-se como alguém que é bem sucedido, mas que sofreu um revés profissional, ou um adiamento na sua promoção.

Desvalorizar o  que é positivo: Considere uma esposa deprimida que acha que ninguém gosta dela. Ela discute isso com  o seu companheiro, e este diz “Eu gosto de você, e assim como os seus pais e os nossos cinco vizinhos e os amigos do seu trabalho. ” Esta é uma evidência de que a crença desta esposa é falsa, mas a pessoa deprimida frequentemente persiste neste pensamento, crendo que os outros realmente não gostam dela, ou se gostam dela, é porque têm que gostar, ou algo do género.

Este tipo de pensamento é um exemplo de uma falsa verdade, que mais não passa de uma percepção ilusória construída pela própria pessoa. Essa falácia (falsa verdade) ocorre quando se negligenciam ou ignoram, ou injustificadamente não se leva em consideração os elementos de prova que suportam uma conclusão diferente daquilo em que se acredita.

Raciocínio emocional: Verifica-se, sempre que acreditamos que os nossos sentimentos negativos sobre algo refletem a realidade, quando na verdade isso não acontece. Por exemplo, quando alguém sente que não tem nada de bom para oferecer às outras pessoas, quando na verdade, de fato  não é o caso.

Os sentimentos são poderosos, e por isso são importantes, e por vezes podem refletir a realidade. Mas, quando esses sentimentos não refletem a realidade e acreditamos que de alguma forma isso acontece, cometemos a falácia da evidência insuficiente. Essa falácia ocorre quando acreditamos numa determinada conclusão, embora não existam provas suficientes para justificar essa crença.

Afirmações do tipo “deveria”: O pensamento da pessoa deprimida muitas vezes inclui estes tipos de afirmações: “Eu nunca deveria sentir-me zangado com os meus filhos” ou “Eu deveria fazer exercício três vezes por semana”. Este tipo de auto-diálogo pode ser prejudicial e desmotivador, e pode de forma proveitosa ser substituído por declarações do tipo: “Vou organizar-me para começar a fazer exercício três vezes por semana”, ou “Vou começar a ser mais paciente com os meus filhos.”

Às vezes, as afirmações do tipo “deveria” suportam a falácia do falso dilema: “Eu deveria fazer exercício três vezes esta semana ou então eu sou um inútil e indisciplinado.” Este é um duplo erro de raciocínio, que comporta em si afirmações de incapacidade e auto depreciativas.

Este tipo de afirmações refletem a falácia da premissa inaceitável, que ocorre quando alguém aceita uma premissa em que não existe nenhuma evidência que a justifique, a pessoa deprimida assume para si uma verdade, só porque acha que assim deveria ser. Por exemplo, uma pessoa deprimida pode pensar que “Qualquer pessoa que se sente irritado com os filhos é um pai muito ruim e deve sentir-se muito culpado.

Então, quando eu às vezes sinto irritabilidade com os meus filhos, eu sou um pai muito ruim e devo sentir-me muito culpado.” A premissa injustificada e irrealista é que qualquer pessoa que se sente irritado com os seus filhos é um pai muito ruim e deve sentir-se muito culpado. Não pretendo com esta explicação desculpar a raiva ou menosprezar o amor paciente, mas quero salientar que os sentimentos de raiva às vezes são adequados, e mesmo quando não são, isso não quer dizer que um pai é ruim apenas por ter tais sentimentos.

Generalização: A Pessoa associa a um único evento (normalmente de fracasso ou perda) como sendo um sinal de um padrão interminável de insucesso. A pessoa assume que a ocorrência de um evento decepcionante fará com que todos os eventos futuros também sejam decepcionantes.

O evento pode ter a ver com trabalho, sucesso académico, sucesso esportivo, ou uma relação, mas este tipo de pensamento é um exemplo da falácia da generalização apressada. Isso ocorre quando tiramos uma conclusão precipitada sobre algo, baseado na evidência de um pequeno acontecimento, por vezes secundário.

Filtragem mental: Isso ocorre quando uma pessoa  concentra-se obsessivamente num detalhe negativo, resultando numa visão sombria da realidade. A pessoa concentra-se nesse detalhe negativo e filtra tudo o resto (normalmente o que é positivo). Ela pode concentrar-se numa falha de caráter, uma parte da sua aparência física que não gosta, ou na pintura lascada no seu carro novo, mas seja qual for a especificidade, a sua mente foca-se sobre o assunto negativo e exclui as muitas coisas boas que estão presentes. Este é um exemplo da falácia da evidência suprimida. Essa falácia ocorre quando se negligenciam ou ignoram os elementos de prova que suportam uma conclusão diferente daquilo que nós acreditamos.

Tirar conclusões precipitadas: Nesta distorção cognitiva, um indivíduo interpreta negativamente certos fatos, e chegando a uma conclusão negativa injustificada com base nessa interpretação. Existem dois tipos principais desta distorção.

A primeira é a leitura da mente, ocorre quando uma pessoa conclui que os outros pensam negativamente sobre ela sem provas suficientes. Um exemplo disso é quando o marido interpreta o comportamento da sua esposa, como ela estando irritada ou decepcionada com base em alguns indícios ténues ou insuficientes.

A segunda, é a cartomancia, ocorre quando um indivíduo conclui que as coisas não vão dar certo no futuro, quando as evidências para isso não estão presente ou são inapropriadas. Por exemplo, um estudante prevê que não vai entrar na faculdade porque ele “tem um mau pressentimento” sobre isso. Este tipo de pensamentos “mágicos” podem muitas vezes ser uma forma da falácia de insuficiência de provas, que ocorre quando acreditamos numa determinada conclusão, embora não haja provas suficientes para justificar essa crença.

Ampliação ou Minimização: Aqui, a pessoa é incapaz de ver as coisas de uma perspectiva adequada. Ela pode ampliar os seus próprios contratempos ou falhas, minimizando as suas conquistas. Todos nós podemos emaranhar-nos em tal pensamento, mas a pessoa deprimida exacerba os seus sentimentos de depressão de tal maneira que olha para o mundo de forma distorcida e penalizante.

Este tipo de pensamento comete a falácia da premissa inaceitável. A pessoa emaranha-se em tais pensamentos e tira conclusões que não são garantidos pelos fatos. Por exemplo, “Quebrar a minha dieta faz de mim um fracassado”,  não é uma crença apoiada por evidências fatuais, mas pode parecer assim para a pessoa deprimida.

Rotulagem: Nessas situações, uma pessoa, atribui erradamente traços negativos para si mesmo através de linguagem emocionalmente carregada e depreciativa. Por exemplo, se a pessoa  não conseguiu uma promoção no trabalho, diz a si mesmo: “Eu sou um perdedor”.

Esses rótulos, desadequados também podem ser aplicados a outras áreas. Um homem que tem alguns desentendimentos menores com sua esposa, pode rotular-se como “egoísta” ou algo pior. Tal pensamento comete a falácia da insuficiência de provas, como na grande maioria dos erros de raciocínio, a pessoa está tirando conclusões precipitadas que irão denegrir a sua imagem, destruir a auto estima e minar a auto confiança, e o pior de tudo é que nada é apoiado pelas evidências.

Personalização: Isso ocorre quando a pessoa toma para si mesmo como sendo a causa primária ou exclusiva de algum evento, mas que os fatos apontam como não sendo verdade. Por exemplo:  a criança pode estar agindo de forma inadequada na creche ou na escola, e os pais podem ser preenchidos com sentimentos de culpa ou inadequação.

Poderia haver uma variedade de razões para tal comportamento e que podia não passar por  uma falha dos pais.  É importante reconhecer as nossas limitações e até que ponto somos ou não responsáveis pelo comportamento dos outros, até mesmo dos nossos próprios filhos. Quando nós pensamos dessa maneira, podemos estar a cometer a falácia de causa falsa. Isso acontece quando acreditamos que há uma conexão causal entre dois eventos quando nenhuma conexão existe.

CONCLUINDO

Não pretendi com este artigo abordar a questão das causas da depressão, mas sim alertar a pessoa que pretende melhorar o seu estado deprimido, de que existe uma forte relação entre a condição em que se encontra e provavelmente alguns erros de raciocínio que comente. E que se isso se verifica, a reestruturação de pensamentos inadequados e de crenças disfuncionais deverão fazer parte integrante de um programa eficaz de tratamento para a depressão.

Dica: Se a pessoa deprimida conseguir reconhecer e corrigir alguns dos seus padrões de pensamento ilógico (erros de raciocínio),  terá dado um passo importantíssimo na direção de uma vida melhor e mais satisfatória.

Abraço,

Miguel Lucsd

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