Preparação mental nos desportos radicais
Psicologia do Desporto 22/09/2016

Preparação mental nos desportos radicais

Miguel Lucas Publicado por Miguel Lucas

A habilidade e a capacidade para manter a concentração, controlar as emoções, manter a motivação, conseguir uma boa execução e desempenho em situação de pressão e risco faz a diferença entre uma boa atuação e um mau resultado. Os processos mentais (sensações, perceções, emoções, concentração, memória, activação, motivação, visualização, autoverbalizações, pensamento), que asseguram a aquisição rápida e perfeita da mestria técnico-táctica, assim como das realizações precisas das ações técnicas e físicas perante as condições exigentes do treino e da competição, deverão considerar-se como capacidades desportivas específicas para o êxito.

De uma forma geral em qualquer modalidade considerada como radical, acrescem os fatores: desafio e risco. Estes fatores são inerentes à própria prática, pelo que apresentam-se como duas componentes interligadas. Os denominados desportos de “adrenalina” e por conseguinte produtores de sensações de superação, êxtase e euforia, potenciam o prazer dos seus praticantes.

Acontece que o atleta tendo uma perceção de desafio superior à sua capacidade de controle sobre o risco que representa a prática dessa modalidade, ou simplesmente de um exercício específico, retira-lhe o substrato principal, que é a perceção e sensação de desafio. A ausência de controle sobre as duas componentes inibe ou reduz a eficácia da realização desportiva, e consequentemente inibe o prazer que dai advém.

Nos desportos radicais a capacidade de controlar o corpo e todas as ações motoras necessárias para a boa execução em situações de elevada exigência e tensão, exigem do atleta uma grande capacidade de controle mental para não se deixar afetar de forma negativa perante a perspectiva do desafio e do risco.

Aquilo que é o objetivo último na prática dos desportos radicais, apresenta-se também como o maior obstáculo à realização de uma ótima performance, refletindo-se respetivamente em prazer, euforia e êxtase ou pelo contrário em desilusão, frustração e incapacidade de apreciar a sua própria realização.

A boa performance e o baixo rendimento encontram-se separados por uma linha muito ténue, diferenciando-se em grande parte das vezes, numa ineficiência do controlo das duas componentes atrás referidas (desafio e risco). Os atletas que conseguem um elevado controle motor e emocional, sabem que o que os pode fazer melhorar passa pelo refinamento dos processos e habilidades mentais.

Os atletas que se percepcionam com potencial para melhorar, mas que por alguma razão ainda não conseguiram, podem beneficiar da implementação de algumas destas estratégias mentais no treino, de uma forma programada e sistematizada.

Crescente número de praticantes

O número de atletas nos desportos radicais tem vindo a ser continuamente ascendente (Shoham, de 2000). Os desportos radicais, tais como e escalada a grandes altitudes, mergulho de profundidade, pára-quedismo, queda livre, parapente, surf, Kitesurf, moutain bike, snowboard, parkour, rapel australiano, rafting, entre outros, todos incluem um elevado nível de risco físico.

Neste tipo de desportos, as consequências dos erros pode ser fatal. Os desportos de alto risco diferem de outros desportos, dado que os participantes enfrentam conscientemente o risco de lesões graves e até a morte quando as decisões acertadas ou o equipamento falham.

As exigências físicas e mentais dos desportos de alto risco são elevadas. Muitos desses desportos envolvem elementos perigosas, tais como intempéries ou altas velocidades, força da natureza. Estes perigos criam desafios intensos para o atleta. Um crescente número de pessoas sente-se atraído pelos riscos, assim como às exigências físicas e mentais associados aos desportos radicais.

Top 10 dos Desportos Radicais

Os desportos radicais ganharam “radicalmente” adeptos em todo o mundo. Aqui está uma análise detalhada sobre a base do relatório (Sporting Goods Manufacturer’s Association International’s). Segue-se o estudo atual por número de Participação:

  • Patinagem 19.2 milhões
  • Skateboarding 11 milhões
  • Paintball 9.8 milhões
  • Muro de Escalada artificial 8.6 milhões
  • Snowboarding 7.8 milhões
  • Mountain bike 6.9 milhões
  • Trail running 6.1 milhões
  • BMX bicicleta 3.3 milhões
  • Wake bording 3.3 milhões
  • Hóquei no gelo 2.7 milhões

btt radical

Desportos radicais e psicologia

Todos os anos, pessoas ficam gravemente feridas nos desportos radicais. Algumas delas chegam a morrer. Mas, você acha que isso impede que outros atletas continuem com a sua prática? Pense novamente. Mas, então o que é que leva alguns a assumir riscos extremos, enquanto a grande maioria dos desportistas simplesmente preferem ficar longe?

Posso arriscar dizer, que nem todos todos têm o perfil psicológico para praticar atividades perigosas.É preciso um certo tipo de pessoa, com um certo tipo de características. Muitos de nós limitamos o nosso apetite para o risco. Como resultado disso, somos incapazes de ter uma boa performance em situações que consideramos perigosas. Mas, algumas pessoas têm uma tolerância muito maior.

O elemento de risco elevado faz você sentir-se vivo, testa-o até que ponto consegue ir, e do que é que é feito?

Alguns praticantes relatam: “Eu não estou procurando o perigo. Faço isto pelo desafio, o meu coração bate forte durante a realização, e sinto um enorme prazer e êxate ao terminar, é uma sensação de estar vivo”. “Quando o desafio é exigente só me faz lutar mais, nestes casos é quando eu tenho um melhor desempenho”.

Shane Murphy, um psicólogo especializado em psicologia da saúde e do desporto da Western Connecticut State University trabalhou com alguns atletas praticantes de desportos radicais: “Eu tenho trabalhado com grupos que escalam o Evereste, incluindo um grupo que escala sem oxigénio.”Murphy disse que o ponto de vista dos atletas que praticam este tipo de desporto é muito diferente do comum atleta. “Nós olhamos para uma situação de risco e sabemos que se estivéssemos (naquela situação), estaríamos fora de controle”, disse. “Mas a partir da perspectiva destes atletas, eles têm muito controle sobre a situação.”

Estratégias mentais eficazes são necessários para o sucesso dos elevados desafios que os desportos radicais oferecem e exigem.

Ao executarem as técnicas e gestos específicos associadas a cada modalidade dos desportos radicais, os atletas atingem um estado que na psicologia desportiva chamamos de Zona de Desafio: quando o atleta se encontra bem preparado, pronto para a execução e os seus recursos são suficientes, podendo ser recrutados quando necessário e ser usados de forma eficaz cumprindo as exigência da tarefa.

De acordo com as declarações acima citadas, fica claro que é a constituição e preparação psicológica duma pessoa que decide se ela pode ou não ser um bom executante nos desportos radicais. O medo é uma perceção sobre a realidade que se forma no cérebro! Se uma pessoa supera isso, os desportos radicais podem vir a ser uma experiência emocionante. Se esse medo persiste no cérebro, os desportos radicais parecem ser nada mais nada menos do que um ato suicida.

Diversos estudos são unânimes no fato de terem encontrado um conjunto de estratégias mentais nos executantes de topo, estes partilham competências mentais idênticas, descrevendo algumas sensações, perceções e pensamentos comuns, representando um estado ótimo de performance, que incluem:

  • Rendimento sem esforço
  • Desempenho automático
  • Elevada certeza nas capacidades
  • Perceção de abrandamento do tempo
  • Fisicamente e mentalmente relaxado
  • Concentração e atenção ampliada
  • Elevada confiança e otimismo
  • Níveis elevados de energia
  • Percepção de completo controle

Estes estados, fazem parte de algumas das componentes mais significativas que devem estar incluídas nos programas de preparação mental para desenvolver e/ou potenciar as capacidades desportivas específicas para o máximo rendimento.

Assista ao vídeo: A importância da autoconfiança no desporto

desportos radicais

Porque são os desportos radicais viciantes?

Alguns são “malucos” por escalada, bungee jumping ou queda livre. Sem qualquer dúvida existem algumas pessoas que ultrapassam os próprios limites daquilo que se pode considerar como radical, transformando-se num vício para o risco. Não podemos considerar isto como uma doença, em psicologia podemos classificar dentro de uma “categoria de personalidade” que se apelida de procura do risco extremo.
Este termo pode explicar porque é que as pessoas se dispõem a saltar de um avião a 10.000 pés de altitude.

O Professor Marvin Zuckerman no seu livro: Sensation Seeking And Risky Behavior, explica que estes procuradores do risco extremo são pessoas que anseiam por sensações e experiências intensas. Na sua pesquisa descobriu que existe uma tendência para viver no risco, e que ficar viciado nele é mais comum nos homens que nas mulheres.

Existem muitas razões pelas quais as pessoas ficam viciadas nos desportos radicais. A tendência é atingir o ponto mais alto no final da adolescência e início da casa dos 20 anos. O tédio verificou-se ser um dos fatores associados, estas pessoas geralmente ficam entediados por tarefas de rotina de trabalho.

Mas o que torna o perigo mais evidente e atrativo para algumas pessoas? A maioria das pessoas não se sente confortável face a ideia de risco. Aqueles que procuram o risco podem de certa forma “culpar” os químicos nos seus cérebros. Desde 1983, quando Marvin Zuckerman, um dos pais da moderna teoria da procura de sensações, relatou que os pára-quedistas e mergulhadores estavam no topo da busca continua de sensações conjuntamente com os viciados em jogo e viciados em drogas, grande parte da investigação sobre psicologia dos desportos radicais, tem-se concentrado sobre este tema – procura de sensações como um traço de personalidade negativa (não que o sejam efetivamente, o estudo é que tomou esta direção).

Tal como definido por Zuckerman, a busca de sensação é a busca de novas e intensas experiências sem que o risco físico, o risco social, jurídico ou financeira seja ou represente um entrave à prática. Na verdade, os cientistas descobriram algumas semelhanças entre os cérebros dos utilizadores de drogas e os atletas que procuram o risco extremo.

Comportamentos e emoções típicas dos atletas que procuram o risco extremo:

  • Prazer e gozo
  • Sentido de omnipresença
  • Orgulho nas próprias acções
  • Sentimento de orgulho por ter sobrevivido (ou ultrapassar) o teste
  • Sentimento de competitividade face às acções ariscadas dos outros
  • Orgulho nas suas próprias habilidades
  • Desejo de repetição da experiência viciante
  • Ligação à sua própria experiência

Aspetos subjetivos na procura do risco extremo:

  • Experiência de excitação extrema
  • Experiência subjetiva de omnipresença
  • Percepção de invulnerabilidade
  • Perceção mínima ou inexistente do risco à integridade física

Sabe-se hoje através de vários estudos que existe uma grande incapacidade por parte de quem é viciado em drogas, para experimentar a alegria ou prazer em atividades quotidianas, como comer, praticar exercício ou a interação social, quando eles não estão sobre o efeito de drogas. Isto também pode ocorrer em indivíduos cujos cérebros estão acostumados a ser hiper-estimulados pela alta adrenalina das emoções fortes associados à prática dos desportos radicais.

Verificou-se um aumento destes sintomas de abstinência nos pára-quedistas, que pontuaram alto no questionário de procura de sensações de Zuckerman, um questionário de personalidade que visa ajudar os investigadores a identificar indivíduos que possam estar predispostos a correr riscos grandes. Utilizadores de Ecstasy e bungee-jumpers foram comparados num estudo de 2004 que teve como objectivo ver semelhanças na forma como esses dois grupos racionalizavam os seus comportamentos de risco.

O estudo descobriu que os membros de ambos os grupos justificavam a participação minimizando os riscos através da prática e preparação, e ignorando as possíveis consequências, como danos cerebrais, ferimentos graves ou morte. A ligação entre a procura do risco extremo de atletas e utilizadores de drogas, aponta para a química do cérebro.

A dopamina, uma substância associada ao sistema de recompensa de prazer, parece ser o factor preponderante. As sensações destes atletas podem ser hiper-estimulados por novas experiências, porque os seus cérebros libertam mais dopamina durante esses eventos do que os atletas de outros desportos.

Todas as pessoas estão predispostas a prestar atenção às coisas que são novas no seu ambiente, mas a diferença é uma questão de grau. As pessoas que estão ávidos por sensações tendem a ser mais estimuladas pela novidade. O resultado dessa inundação de dopamina é uma experiência intensamente prazerosa, que conduz o procurador de sensações extremas a voltar em busca de mais.

Algumas características mentais nos desportos radicais

Imagens mentais

No desporto as imagens mentais são usadas principalmente para ajudar os atletas a atingir o seu melhor, tanto em treino como em competição. Os atletas que têm um desenvolvimento e progresso mais rápidos e os que conseguem no momento decisivo fazer a extensão do seu melhor usam imagens mentais. As imagens mentais muitas vezes começam simplesmente quando o atleta pensa nos seus objetivos, nos seus movimentos e na sua performance competitiva desejada.

A prática irá permitir que o atleta se desenvolva até ao ponto em que através da imagem conseguirá planificar todas as sensações para pré experimentar a realização de todos os seus objetivos.

As imagens mentais podem ser definidas como uma experiência sensorial simbólica que poderá ocorrer de um modo sensitivo. Ver-se e sentir-se a executar certos movimentos ou estratégias é uma prática comum na preparação mental dos atletas. Tomemos como exemplo atletas que fazem escalada. Alguns alpinistas relatam o uso de imagens como uma estratégia para ajudá-los a ultrapassar determinadas fazes difíceis na montanha. “Eu imaginava-me a chegar a determinadas fazes da montanha”. “Imaginava-me como é que iria continuar na próxima etapa e como é que me iria sentir”.

Força mental

De acordo com Shane Murphy, uma outra estratégia utilizada pelos alpinistas para se prepararem para a escalada é o comprometimento que fizeram com eles próprios no desenvolvimento da sua força mental. Por exemplo, nos treinos estes alpinistas falavam frequentemente em aumentar os seus limites físicos e o nível do seu desconforto.

Eles acreditavam que se se puxassem física e mentalmente permitir-lhes-ia ganhar força emocional, e como resultado disso desenvolver a tenacidade mental necessária para o desafio de subir o Evereste. Aquilo que se esperava, era que os atletas quando estivessem a subir a montanha e a enfrentar os obstáculos que lhes impedissem o sucesso, basearem-se na experiência prévia e força mental para ultrapassar os potenciais contratempos.

Relato de um alpinista:

Conscientemente esforçava-me puxando por mim nos treinos. Eu corria até à montanha após um dia de escalada e tentava melhorar o meu tempo. Quando eu corria e andava de bicicleta sempre que chegava ao ponto em que pensava que tinha de voltar para trás, eu tentava ir mais longe, até ao meu limite. Empurrando esse limiar afectou de forma positiva a maneira como eu escalava a montanha. Quando eu estava subindo, em 1985, e fui atingido por uma rocha no primeiro dia, quebrando o meu ombro.

No momento eu não sabia que o ombro estava quebrado, continuei a subir e pensei que deveria ser capaz de continuar com dores, fazendo o exercício de dissociação da dor e do desconforto. Eu pensei que seria muito pior em grandes montanhas. Então, eu levei-me ao limite.

Foco atencional

Estes escaladores eram extremamente hábeis a focarem-se nas coisas certas na hora certa, ao subirem a montanha. Todos eles falaram sobre o quão importante era a concentração na ajuda para ultrapassar os obstáculos durante a subida de oito semanas para o cume do Monte Evereste. O foco atencional inclui entrar na Zona de Ótima Performance, ter atenção à respiração, o controlo da sua velocidade de escalada, dirigir a sua energia física e mental para o desafio imediato à sua frente, e dirigir a sua atenção para a tarefa em mãos. O seu foco era muito compenetrado no processo passo a passo.

A elevada concentração permitiu a estes alpinistas eliminar as distrações, manterem-se focados na tarefa em mãos, e atingir os seus objetivos momento a momento, no seu dia-a-dia de atletas praticantes de desportos radicais.

Fica um alerta: se você é adepto ou simpatizante deste tipo de modalidade desportiva, não descuide a segurança e a orientação de pessoas capacitadas para tal. Assim, você poderá usufruir de todos os benefícios que esta prática produz, tais como a sensação da adrenalina ao máximo e a redução dos riscos.

E você, gostaria de melhorar algum aspeto mental do seu desporto?  Leia a minha seção de =>> Psicologia do Desporto ou conheça os serviços que disponibilizo aqui no site =>> Serviços de psicologia desportiva

Abraço,

Miguel Lucas

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